Desfolhada

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segunda-feira, outubro 25, 2004

Pacheco Pereira no seu melhor

É bem feito. Os sinais estavam lá. As novelas. As intermináveis e desconchavadas novelas em que todas crianças frequentam colégios da Linha e são louras e precocemente parolas. As Lux e as Flash. O telejornal da TVI. O futebolês e a sua miríade de constelações e estrelas, as maiores, as menores e as anãs, os dirigentes, os agentes, os jogadores, as transferências e os treinadores de bancada e de café.

O 24 Horas e as suas manchetes sanguíneas e colunas rosa-choque. Os três diários desportivos. Os Big Brother's e as chusmas de indigentes que revelaram, geraram e adularam. Os caciques locais.

Felgueiras. Marco de Canaveses. A justiça, apoucada e achincalhada. A Alexandra Solnado e as conversas de Jesus com a cabritinha. As abstenções, galopantes. A política, trauliteira e lapuz. Os impropérios lançados a esmo, pelos carroceiros e pelas azêmolas que habitam o Parlamento e as autarquias deste país de norte a sul. Os deputados que o são porque dominam as concelhias. O triunfo da demagogia, a vitória fácil do populismo.

A farsa da Madeira, esse espectáculo pornográfico instalado há anos na Casa Vigia, onde perora um senhor anti-democrata e fascista, adulado por um dos dois maiores partidos portugueses.

A lenta agonia da Cultura. A asfixia da Ciência. A sangria, continuada, mortal, dos nossos melhores homens e mulheres, em demanda de melhores países, de outras instituições que os animem, que os reconheçam. A invasão obscena do betão em tudo o que é Parque Natural, zona protegida, Rede Natura, arriba fóssil, rio selvagem, orla costeira.

As oportunidades perdidas. O Alqueva. Os fundos de Coesão. O Fundo Social Europeu. Os subsídios à agricultura dados de mão beijada a pessoas que não sabem distinguir um cão de uma ovelha. Os jipes. Os condomínios privados. Os montes no Alentejo. As férias no Brasil e as festas no Algarve. Os milhares que provam, provado, o adágio que diz que quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem.

Os Ferraris do Vale do Ave. Os processos que prescreveram. Os jornais, as rádios, as revistas, as televisões que estão na mão de apenas três grandes grupos económicos. As campanhas eleitorais, pagas a peso de ouro, a troco não se sabe bem do quê. As negociatas. As promessas. As mentiras. Os impostos que iriam descer e afinal sobem. O emprego que iria subir e afinal desce. O IVA que já foi a 17% e agora é a 19%.

O Santana Lopes que passou do Sporting para a Figueira, da Figueira para Lisboa e de todas as vezes foi eleito. Democraticamente. E que foi alçado a número dois do PSD estando, por esse facto, na linha de sucessão para o cargo de primeiro-ministro.

E, quando tudo isso aconteceu, onde estávamos nós?

Na praia? No café? Na Ler Devagar, a folhear Heidegger? Em Londres, a admirar Buckingham Palace?

Não sei onde estávamos. Sei, apenas, que estávamos calados. E é por isso que é bem feito.

Demitimo-nos do dever de falar, de esclarecer, de protestar, de votar. E, se alguns, poucos, falavam, muitos assobiavam para o ar, como se não fosse nada connosco. Era sempre com eles, com os políticos. E estávamos errados: a política é nossa. A política somos nós que a devemos fazer, participando, votando, reclamando, exigindo.

Abstivemo-nos e as coisas aconteceram. Os factos surgiram e ficaram impunes. Os acontecimentos seguiram o seu curso, o barco singrou desgovernado, com os incapazes ao leme e os arrivistas a bater palmas. Agora que o impensável se acastela no horizonte, assim ficamos, aflitos, o coração nas mãos, a perguntarmo-nos: como foi possível? Como será possível?

E mais aflitos ainda ficamos porque sabemos: é possível. Pode acontecer.

Pode acontecer que Paulo Portas e Santana Lopes, dois parasitas do poder, dois demagogos, dois populistas, se enquistem em São Bento. Mesmo as eleições antecipadas, a ocorrer, poderão não o impedir. Mais: as eleições poderão até ser o impulso que necessita essa associação simbiótica contra-natura para se declarar vitoriosa. Bastam umas fotografias nas revistas do coração, uns beijinhos nalgumas feiras, uns ósculos nalgumas recepções, três ou quatro discursos ocos, cheios de sonoridade e de impacto televisivo, a aura de salvadores da pátria e dos bons costumes, e lá vai o povinho do futebol, dos morangos com açúcar e do 24 horas a correr às urnas, ungir o Sr. Feliz e o Sr. Contente com os louros do poder.

E, mesmo que não aconteçam eleições, a cartilha está igualmente traçada. Os impostos a cair. As festas para o povo pagas com o erário público, esse erário minguante que à custa de tanto e de tantos foi custosamente aforrado nos dois últimos anos. As promoções em catadupa, os Institutos Estatais criados por decreto, para promover os novos boys e criar novos empregos efémeros. Os gastos à tripa forra para contentar taxistas, sindicatos, peixeiras, comerciantes, função pública.

Os saneamentos. A ostracização dos críticos, dos descontentes, dos que se manifestam.

Tudo isto pode acontecer. Não só por dois anos, mas também por quatro. Ou mais. Até que o dinheiro se acabe ou até que vague o cargo de Presidente de qualquer coisa. Que até pode ser o do País, que a malta nem se importa muito.

Afinal, os povos cobardes só têm aquilo que merecem!....

Pacheco Pereira

OBS: Afinal, este texto não é do Pacheco Pereira mas sim de um blog http://alexandre-monteiro.blogspot.com/. Um obrigada a Don Badalo por me ter avisado e as minhas desculpas e parabéns ao Alexandre.

17 Comments:

Blogger folhasdemim said...

Não sei quando nem onde foi publicado, mas agora que o li, apeteceu-me publicar aqui. Betty

11:21 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Pois, Betty...A Leitura deste texto é um murro nos estômago de toda a gente que acredita ter consciência cívica/política. Também eu, embaraçada e confusa pergunto:"Onde estávamos nós, onde estava a nossa lucidez?". Boa noite para ti.

Dora
www.atrasdaporta.blogs.sapo.pt

8:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

oi, betty
q blog lindo! obrigada por visitar-me. bjo. cal
debocaembocas.zip.net

8:46 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um beijo do "amo" e o meu muito obrigada pois não li no original este extraordinário texto.
É isso mesmo, "onde estávamos nós?" Onde estamos nós?

10:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ora aqui está um texto que eu gostaria ter escrito!(presumindo que teria talento para tanto)! por este texto o JPP fica "perdoado" por uns tempos...rss

beijos

DonBadalo

11:14 da tarde  
Blogger Unknown said...

É mesmo o JPP no seu melhor. Mas desde há muito. Tem toda a razão. Toda. Temos aquilo que merecemos. Como o DonBadalo diz, está perdoado. Por bastante tempo. Obrigado por teres transcrito aqui o artigo porque ainda não o tinha lido. Bjs

11:43 da tarde  
Blogger A.S. said...

Subscrevo palavra por palavra, mas cabe a cada um de nós, à sua medida, fazer com que as coisas mudem!

Um abraço

11:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

a vida é uma eterna novela.. cheia de personagens cotidianas.... de olhares e janelas.

te beijo

nefertari

2:03 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Está tudo dito. Sem dúvida, os povos têm o que merecem. Não basta virarmos as costas e assobiar para o ar. Quem o faz, não pode depois estar a queixar-se...
*A

10:22 da manhã  
Blogger Politikus said...

De facto todos temos um atestado de incompetência. Mas onde estava Pacheco Pereira, ele fala, fala, mas pouco faz ou fez quando fez parte do Governo...

12:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Betty, vim agradecer sua visita...espero que voltes mais vezes. Parabéns pela qualidade do seu blog. Beijos

Marcia http://www.lendoesonhando.blogger.com.br

8:07 da tarde  
Blogger trintapermanente said...

Excelente texto e escrito por um homem de direita- o que me surpreende. Vivemos numa apatia socio-politica. Desde que se tenha para nós os outros que se lix..Vivemos num rotativismo de poder. Isto é votamos democraticamente em quem vai mandar no mesmo, na mesma maneira. Apenas decidimos a quem vamos dar protagonismo.
Só não contavamos era com esta aliança de direita que cada vez mais se tem mostrado despota. Os cargos já não se elegem, nomeiam-se.O individuo não pode se expressar livremente. E os estudantes, os homens de amanhã, têm que aprender a ser iguais aos de hoje.... E nós passivos vemos a Quinta das Celebridades.

10:42 da manhã  
Blogger VdeAlmeida said...

Seja de quem for o texto, é bom, é válido e estou de acordo com quase tudo. Só que esta espécie de mea-culpa de todos e cada um de nós, não tem resultados visíveis, nem sequer é eficaz. Se nada se fizer, será sempre e só um alinhar de palavras inconsequente.
O que temos é que nos mobilizarmos e derrotá-los.
P.S.- A propósito do JPP, até poderá ser um político de direita e muita vez ter tido uma posição seguidista. Mas nestes ultimos tempos, ninguém lhe poderá negar que, excepto no que diz respeito à política externa norte-americana, até tem tomado posições correctas e corajosas.
Belo post, Betty :-)

12:09 da tarde  
Blogger bertus said...

O texto é bom. Do autor (se não é o Pacheco Pereira) não conheço trabalho anterior para formar uma opinião fundamentada. Como escreve Yardbird -e sem o citar de cór-, existem muitos bons textos de intervenção política importantes que podem despertar consciências mas...depois falta o resto que é o mais importante; actuar! E se com os mais pequenos gestos se cumpre a cidadania, a nós portugueses, de um modo geral, inda nos falta aprender o...principio; precisamente esses pequenos gestos. Depois, talvez saibamos responder em que lado "da barricada" nos encontramos e, eventualmente, ir mais além...
Fica bem, beijinho e intés!!

7:18 da tarde  
Blogger Alexandre said...

coitado do JPP, pobre texto esse que lhe era atribuído.. :)

12:15 da manhã  
Blogger Fátima Santos said...

que texto bem escrito inda bem que avisas que é do No arame Alexandre que do Pacheco...sei lá ficava sem saber se seria mesmo o que ele sentia e queria fazer (desconfianças!)Assim inda mais gostei da escrita e do conteudo e lembrei-me de um do Ary...lembranças vou ali ao teu outro...acima

4:37 da tarde  
Blogger Fátima Santos said...

Betty os dois comentários foram-se nas hertezianas...o que eu dizia é que gostei muito do texto e francamente rejubilei por não ter sido esse senhor Pacheco a escrever! supus que fosses tu, mas no Alexandre tb me dá mais esperança de que hja alguém a apostar e levantsr do PC o cu pra fazer mudança! o PP?!!! de acordo com o Micróbio a 100% e dobro!! Um abração

4:55 da tarde  

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